Prova do Hertzberger
A partir da leitura do livro Lições de Arquitetura de Herman Hertzberger foi possível avaliar o complexo de corredores do segundo andar da Casa da Glória estudado durante a viagem feita à Diamantina segundo os conceitos propostos por ele.
- Articulação entre público e privado
Considerando a Casa da Glória como um edifício público, tendo tripla função de museu grátis aberto ao público em horários determinados, de local de estudos universitários e de hospedagem para estudantes, o local tem uma interessante mistura entre espaços públicos e privados em seu interior. O espaço do complexo de corredores, que conta com três cômodos diferentes, possui a característica de ter uma parte privada (os dois últimos corredores, limitados aos funcionários e aos hóspedes) e uma parte pública (o primeiro corredor, aberto aos visitantes do museu). No primeiro corredor, aberto ao público, foi notado que os visitantes tinham a curiosidade de observar o espaço, mas não se sentiam atraídos para permanecer nele. A intervenção feita no local leva em conta o que Hertzberger diz sobre a arquitetura possuir a capacidade de estimular determinados tipos de uso, portanto foram adicionados bancos interativos no espaço, considerando o vistoso panorama proporcionado pelo local, que não é bem aproveitado. No último corredor – esse restrito aos hóspedes – assim como no primeiro foram adicionados tapetes como forma de atração da permanência. Como papel do arquiteto, ao criar um envolvimento no arranjo e no mobiliamento da área, os usuários passam a tornar-se “moradores” a partir das sugestões espaciais adequadas no projeto resultando na ocupação da área.
Outra questão relevante do espaço que deve-se abordar é o espaço de transição entre o público e o privado, citado por Hertzberger juntamente ao conceito da soleira. As duas áreas com demarcações territoriais divergentes (o primeiro corredor e o segundo) são separadas por uma porta que geralmente se encontra aberta em apenas uma de suas duas partes. Isso deixava a dúvida aos visitantes se o acesso ao segundo corredor era permitido ou não, o que fez necessário aos funcionários do local a instalação de uma placa deixando claro que o acesso a partir de tal porta era restrito.
- Gradações de demarcações territoriais
O livro de Hertzberger aborda os conceitos de público e privado, mas também destaca como ás vezes são inadequados e relativos. Espaços podem ser considerados semiprivados ou semipúblicos, ou simplesmente zonas intermediárias a partir do momento em que existem gradações de privacidade entre as áreas. Portanto, fazendo uma reavaliação do complexo de corredores, o simplista diagnóstico como “público” e “privado” seria muito rudimentar. Sendo assim, os corredores, no contexto da cidade de Diamantina, estão todos em zona semipública. Já no contexto da Casa da Glória se diferenciam entre semipúblico e semiprivados pelo acesso permitido a determinadas pessoas. No contexto dos corredores semiprivados, ao compará-los aos quartos dos hóspedes ou aos banheiros, podem ser considerados mais públicos que esses segundos pelo maior acesso a eles, além de quem os utiliza. O caráter da área depende de quem determina seu ordenamento e de quem se sente responsável por ela, o que qualifica que os usuários dão personalidade ao lugar. A partir disso, o arquiteto adquire a função de estimular a ocupação e uso do espaço pelos usuários por meio de seu projeto. As intervenções realizadas pelo grupo nos corredores 1 e 3, como citado antes, objetivam tais uso e ocupação, levando em conta quem os frequenta e para que.
- Urdidura e trama
Segundo Hertzberger, a urdidura e a trama são as componentes da chamada estrutura. A urdidura seria a base, o ordenamento da composição, enquanto a trama seria as características, criando cores, texturas e padrões, juntas elas formam o todo indivisível do espaço. Avaliando o complexo de corredores sob essa ótica, o local possui considerável espaço vazio por ser um local de passagem. A intervenção adicionada pelo grupo permite uma expansão da trama do lugar, o que gera uma nova expressão do espaço permitindo novas interpretações dele. O princípio estruturador (a urdidura) concede a expansão das possibilidades de adaptação – não as limita como nos leva a pensar o senso comum – e a estrutura é capaz de absorver as mudanças.
- Funcionalidade, flexibilidade e polivalência
O livro de Hertzberger avalia três sistemas de construção do espaço. O primeiro deles, o funcionalista, prioriza a eficiência e a especificidade, e critica a obsolescência de suas funções e sua consequente ausência da adaptação à mudanças. O segundo, o flexível, foi criado para se adaptar às mudanças, mas acaba caindo na neutralidade e consequente ausência de identidade, produzindo soluções fracas para os problemas que surgem. O terceiro sistema é o polivalente que produz uma forma que se presta a diversos usos sem que ela própria tenha que sofrer mudanças, assim com uma mínima flexibilidade pode gerar soluções ótimas. A polivalência supre os erros das outras duas formas e gera maior potencial para a interpretação individual do usuário. Desse modo, ao analisar o espaço do complexo de corredores, ao fazer a intervenção no local deve-se levar em consideração a preservação do patrimônio da Casa da Glória para o mantimento de sua identidade. O espaço se caracteriza polivalente a partir do momento que a intervenção feita no espaço lhe dá um uso diferente do que foi originalmente concebido e sua identidade se mantém. As intervenções consideraram essa necessidade de conservação e se basearam em características já tidas anteriormente pelo espaço. O primeiro corredor trabalhou o fomento à permanência por conta da grande janela presente no espaço, instigando à contemplação. O segundo deu um aspecto artístico ao ambiente, relacionando-o ao seu objetivo inicial – a ideia de passagem – ao instalar pedrinhas no teto que se movimentam com os sons dos transeuntes pelo ambiente. E o terceiro permite a modificação do espaço pelo usuário que pode modelar os tapetes, e cria um espaço de permanência em um ambiente residual do corredor, respeitando seu espaço original de passagem.
- Forma convidativa
Hertzberger define a arquitetura ideal como portadora de uma forma convidativa, essa não deve ser só confortável, como ser estimulante e, acima de tudo, deve ter afinidade com as pessoas que a utilizam. Deve-se considerar, ao fazer um projeto, que não existem soluções socialmente indiferentes, portanto o espaço necessariamente impacta de alguma forma seus usuários. As intervenções realizadas no complexo de corredores têm a intenção de ser interativas e gerar a instigação pelos objetos no espaço, essas necessariamente afetam a maneira de como os indivíduos interagem com esse espaço. Formas novas de tato, audição e oralidade surgem no local com a realização da intervenção proposta, que objetivam o estímulo com o local e deve-se considerar também a atenção feita com o conforto e a praticidade dos objetos em meio ao contexto.
- Irregularidades
As irregularidades do espaço devem ser utilizadas como fator característico fator e serem exploradas em seu uso. No complexo de corredores foram observadas algumas irregularidades em sua maioria provenientes da execução da construção da casa, como um volume projetado na parede do terceiro corredor. Ao executar as intervenções, portanto foi articulada uma irregularidade no segundo corredor: a altura do pé direito extremamente discrepante, proveniente da diferença de nível entre os corredores 1 e 2, serviu para a instalação das pedrinhas no teto ao prover espaço para a obra e seu movimento.
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